Sai o pesticida, entra o pequiticida!
Frutos do Pequi
Vida de planta do Cerrado não é
moleza: além de se defender do sol tropical, de garantir reservas d’água para
longos períodos de seca e fincar raízes profundas para não ser arrastada pelas
enxurradas de verão, ainda é preciso criar um arsenal químico de reserva em
caso de ataque dos mais diversos parasitas e predadores. E tudo isso sem sair
do lugar, sem deixar de crescer, florescer e frutificar.
Felizmente para nós, humanos, as
estratégias das muitas plantas do Cerrado para vencer essas adversidades se
traduzem numa imensa variedade de substâncias, proteínas e moléculas de grande
interesse para a biotecnologia. Assim, as prospecções de espécies nativas do Cerrado
com potencial de uso acabam sempre revelando boas surpresas, mesmo que os
resultados finais não correspondam exatamente às expectativas esboçadas no
início.
Uma pesquisa realizada por Tiago
Gonçalves da Costa para sua dissertação de mestrado em Ciências Genômicas e
Biotecnologia, na Universidade Católica de Brasília (UCB), ilustra bem isso.
Ele começou estudando a atividade de extratos brutos de casca, folhas, flores e
frutos de barbatimão (Stryphnodendron adstringens), baru (Dipteryx alata), erva-bugre
(Casearia sylvestris), orelha-de-macaco (Enterolobium contortisiliquum),
pau-terra-grande (Qualea grandiflora) e pequi (Caryocar brasiliense). Testou a
atividade dos extratos contra bactérias e fungos patogênicos para o homem e
para lavouras e contra insetos considerados pragas agrícolas.
“A amostra de melhor atividade foi
o extrato bruto de flor de pequi contra bactérias e fungos hospitalares”,
comenta a doutora em Biologia Molecular e orientadora do mestrado, Simoni
Campos Dias, da UCB. A descoberta de novos princípios ativos antibacterianos e
antifúngicos é de extrema importância no contexto hospitalar, pois as bactérias
e os fungos patogênicos evoluem com muita rapidez e desenvolvem resistência aos
antibióticos disponíveis, obrigando ao uso de doses maiores ou sujeitando os
pacientes à septicemia. Assim, os resultados preliminares da pesquisa apontavam
um caminho interessante a seguir.
Mas ao partir para a etapa seguinte, de
purificação e quantificação da proteína com atividade, foi preciso mudar a
direção. “Essas proteínas de reserva das plantas são produzidas em quantidades
muito pequenas. Não é uma molécula que a planta vai usar rotineiramente, é um
recurso de emergência para quando houver um ataque. E, no caso da flor do
pequi, ainda precisamos considerar o fato de a árvore só florescer uma vez por
ano e as flores só durarem cerca de uma semana”, prossegue Simoni. Sem contar
que a frutificação depende da polinização das flores e, portanto, elas não
poderiam ser colhidas antes de cair.
A opção foi partir para outra
atividade do pequi, contra insetos-praga, obtida com o extrato das sementes.
Aí, sim, o estudo pode continuar, em parceria com a Universidade de Brasília
(UnB) e a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, de onde vieram os
insetos-praga criados em laboratório para os bioensaios. Em termos práticos, as
sementes de pequi são muito mais fáceis de encontrar e seu uso é mais
sustentável, pois hoje elas são descartadas pelas cooperativas de
comercialização da polpa do pequi. Ou seja, produzir um inseticida à base de
sementes de pequi não só ajudaria a reduzir os impactos de pesticidas químicos
no meio ambiente e entre os insetos benéficos, como eliminaria os atuais
resíduos dessa comercialização de polpa.
Após sucessivas etapas de
purificação proteica do extrato de semente de pequi, Tiago Gonçalves da Costa
chegou a uma albumina 2S, um tipo de proteína solúvel em água relativamente
abundante em sementes. Esta albumina 2S do pequi é uma possível alternativa
para o desenvolvimento de novas formas de combate a insetos, fungos e bactérias
de importância agrícola. De acordo com a pesquisadora Simoni Dias, o inseticida
à base de pequi tem atividade inclusive contra a broca-do-cartucho-do-milho (Spodoptera fugiperda) e a
lagarta-desfolhadora-da-soja (Anticarsia
gemmatalia).
Além do aluno de mestrado e sua
orientadora, o estudo contou com outros dois pós-graduandos e dois
pesquisadores da UCB e as equipes das instituições parceiras. Os recursos
vieram de bolsas da própria Universidade Católica de Brasília e da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF).
E as superbactérias e os
superfungos hospitalares?
“Ainda passo por um pequizeiro em
flor e penso em continuar a purificação até chegar a uma molécula que possa ser
sintetizada, pois assim não dependeríamos de extração da natureza”, confessa
Simoni Campos Dias.
Category: Botânica, curiosidades
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